27 de outubro de 2014

Intervenção da CDU em debate sobre a Educação - 23.10.2014

No passado dia 23 ocorreu uma sessão extraordinária da Assembleia Municipal de V N Gaia subordinada ao tema "Educação".

Nessa sessão a CDU, limitada pelo figurino regimental,  interveio  através da apresentação de uma comunicação onde se explanaram diversos motivos de preocupação e se formularam questões que, lamentavelmente, ficaram sem resposta da parte do Executivo camarário.

Transcreve-se a referida intervenção:



Educação no concelho de Vila Nova de Gaia

Exmo Senhor Presidente da Mesa
Exmo Senhor Presidente da Câmara e Vereadores
Exmos Deputados
Exmo Público

Para se falar em Educação no Concelho de Vila Nova de Gaia é necessário, primeiro, falar sobre o Orçamento de Estado para 2015 recentemente apresentado e os seus reflexos na escola pública.
Esta proposta de OE é a prova evidente dos condicionalismos impostos ao ensino público e a consequente reconfiguração organizacional, pedagógica e ideológica levada a cabo por PSD, CDS e também PS ao longo dos anos.
O anunciado novo corte de 700 milhões no ensino obrigatório transporta consigo desemprego, despedimento em todos os setores profissionais da educação - professores, auxiliares e técnicos -, o que consequentemente se refletirá na qualidade do ensino ministrado, e implicará também repercussões no ensino superior, nos seus profissionais, e na investigação.
A vergonhosa abertura deste ano letivo fica marcada não só pelo ataque que este governo prossegue à educação e aos seus profissionais, como também pelo incumprimento da Constituição, pelo ataque a uma escola gratuita e de qualidade para todos, e ainda, no plano laboral, pela colocação em causa de milhares de postos de trabalho, precarizando a situação de todos os profissionais e em todos os setores da educação, e ainda despedindo milhares de profissionais, com resultados inimagináveis.

Pergunta-se: os mega-agrupamentos, a revisão curricular, o aumento de alunos por turma, os concursos de colocação de professores, o ensino vocacional, a desqualificação da escola pública (que até há pouco era designado como o 12º melhor sistema no mundo), serão irreversíveis?

Para nós, não!

Ao longo dos anos o PCP vem apresentando persistentemente um conjunto de propostas para que se cumpra a Constituição de Abril e se rume a uma escola pública de qualidade, que constitua um modelo democrático de desenvolvimento político, social e cultural, fundamentais à nossa soberania.
Estas propostas vão desde a gratuitidade do ensino, ao aumento do seu financiamento, à gratuitidade dos manuais escolares, à abolição das propinas, à aposta na investigação científica, até à aprovação de novos modelos de avaliação dos estudantes.
Não podemos esquecer que a taxa de abandono precoce é superior a 27%: 3,5 milhões de portugueses não têm qualquer diploma, ou apenas concluíram o ensino básico, e milhão e meio de portugueses entre os 24 e os 44 anos não concluíram o ensino secundário. 

Senhoras e senhores
A educação não é um luxo: é um pilar fundamental do desenvolvimento do nosso país e da nossa soberania.
Em Vila Nova de Gaia, após tantos anos de PSD/CDS e já com um ano de mandato PS continua-se a constatar os mesmos problemas, aqui trazidos, com preocupação, pela CDU.
Criaram-se os mega-agrupamentos com a conivência da Câmara, e até hoje não se soube oficialmente quantos professores perderam o seu emprego por essa via, porque o principal reflexo desta ação será na qualidade do ensino.
E qual o papel que a Câmara teve na organização da rede do ensino profissional, onde as escolas públicas viram o número de cursos reduzidos de forma drástica, mesmo as que sofreram obras da "Parque Escolar" e estavam devidamente apetrechadas, enquanto a rede privada viu aumentar o número de cursos?
Por outro lado a implementação dos "centros escolares", no âmbito da municipalização da educação, traz outras questões. Importa que a Câmara clarifique definitivamente que plano tem para o Concelho: um modelo de proximidade, ou o modelo dos centros escolares.
Se o modelo é de proximidade, então onde estão as obras nas escolas que são responsabilidade da Câmara? Onde estão os espaços para a realização das atividades físicas, a expressão musical e artística, e os espaços de lazer?
E neste ponto ainda estamos a falar, apenas, no cumprimento do currículo nacional.
Acresce ainda outra questão: qual o espaço adequado às atividades propostas pelas AEC´s e pelas CAF´S? Serão as salas de aula? Serão "contentores"? Serão novos edifícios?
Perguntamos: serão precisos outros espaços para responder às necessidades da chamada "escola a tempo inteiro"?
Ou o que se precisa é de outras políticas educativas, que defendam a família, os jovens, a escola pública, gratuita e de qualidade para todos, conforme o assegurado na Constituição?

Estamos perante uma política de remendo de ruturas sociais iminentes: "inventou-se" o ensino dual, vocacional, e outras invenções se seguirão, com um duplo sentido: por um lado a contenção social, por outro a habilitação de mão-de-obra apenas com a formação estritamente necessária para dar resposta imediata às necessidades dos grandes grupos económicos.

Se as condições físicas são uma parte importante da problemática da educação também não se pode falar de qualidade na educação sem profissionais, e das respostas efetivas que é necessário dar às carências materiais e de Pessoal de Ação Educativa, agora continuamente substituídos por desempregados que são colocados sazonalmente, ao abrigo de "Contratos Emprego-Inserção" (CEI´s) sem perspetivas de continuidade.
Trata-se de postos de trabalho cuja permanente necessidade é evidente, mas que continuamente têm sido substituídos por trabalho precário, sem direitos, e, mesmo assim, em número inferior às necessidades das escolas.
E isto tendo presente que o sr. Presidente da Câmara afirmou, numa entrevista ao "Sexta às 9", que "no próximo ano lectivo (iria) alterar radicalmente esta situação em Gaia" - algo que, como é visível, não ocorreu.

Ainda sobre o horário da chamada "escola a tempo inteiro", é importante esclarecer que esta pseudo-"solução" foi criada apenas com o objetivo de dar resposta aos problemas causados pela desregulamentação dos horários de trabalho das famílias: na verdade, hoje os pais trabalham cada vez mais horas, são mais mal pagos, e é a escola que fica obrigada a prestar um acompanhamento em que a família é insubstituível – os afetos. E com isto acabamos a criar crianças infelizes, que serão adultos infelizes.

Vejamos um exemplo da perda da qualidade da escola pública no que se refere a relações humanas e até de segurança, com a entrega a privados de um serviço: as Cantinas.
Nestas concessões, a empresa assume unicamente a responsabilidade pela confeção de refeições, sendo da responsabilidade da Câmara a vigilância na hora de almoço.
Acrescem ao barulho e à dificuldade de acompanhar as refeições das crianças as questões de segurança: tem sido durante a hora das refeições que mais acidentes têm acontecido nas escolas, mas uma vez mais o ónus da responsabilidade acaba distribuído entre funcionários e professores. Perguntamos: e onde está a responsabilização da Câmara?

Relativamente às "Atividades Extra Curriculares" (AEC`s), estas continuam a fazer parte dum projecto supostamente pedagógico, mas sem meios humanos, recursos materiais, equipamentos, e sem salas devidamente preparadas, ainda por cima com alunos a mais dentro delas, o que impede o seu bom funcionamento.

Por último, falemos do relatório da "Componente do Apoio à Família" (CAF) que aqui nos é apresentado.
Se, em certa medida, nos permite um maior conhecimento do projecto, por outro lado é insuficiente para alterar a posição da CDU, pois continua a causar-nos as maiores reservas e preocupações, designadamente:
•    que não sejam as próprias escolas – a escola pública -  a assumir estas atividades, de acordo com as suas necessidades, se e quando existirem;
•    que para as exercer se tenha de recorrer a IPSS – e apesar do muito respeito que estas em geral nos merecem – através de protocolos estabelecidos com a Câmara;
•    que a monitorização deste projeto seja igualmente atribuído a uma IPSS – a Fundação Manuel Leão -, sem que seja claro qual o valor que com isso será dispendido;
•    que este projeto representa mais custos de Educação para as famílias, já vítimas de baixos salários, de roubo nas pensões e salários – o montante a pagar pela CAF, efetivamente, representa um salário por ano, e até o escalão A fica obrigado a pagar;
•    que só possam ter direito ao 'complemento alimentar' os alunos inscritos no programa;
•    e, no que respeita aos profissionais que prestarão este serviço no terreno, perguntamos: qual será o seu estatuto laboral, qual o valor do seu salário de acordo com a função profissional que desempenhe, com que entidade estabelecerão contrato, e em que moldes?


Reparem, senhoras e senhores deputados: não está apenas em causa o respeito pelos critérios pedagógicos inerentes à escola pública, mas também a boa utilização de dinheiros públicos: fala-se em comparticipação da Câmara no montante de 3 milhões, acrescendo ainda mais 900 milhares dos pais, só para estas atividades.

Para a CDU a atual proposta de projeto educativo é desinserida da realidade, afastada do contexto pedagógico com um conjunto de ações que não são do espaço educativo.
Em suma, é mais do mesmo: as mesmas salas de aulas servirão para tudo, obrigando-se as crianças a permanecer no mesmo espaço das 7:30 às 19:30 – 12 horas! E cada vez com mais alunos, e cada vez com menos condições.

Que se registre o nosso profundo descontentamento!

E que a Câmara responda de forma coerente, clara e fundamentada a questões fundamentais: centraliza-se ou descentraliza-se? Ou seja: que modelo de organização da rede escolar pretendem?

Face aos grandes problemas sociais bem patentes no país e no nosso concelho, ficará a escola pública obrigada a dar respostas sociais? Ou deve ser sua missão a formação integral do indivíduo para a construção duma sociedade com um desenvolvimento político, social e cultural, fundamentais à nossa soberania?


V. N. Gaia, 23 de outubro de 2014
Pel'A CDU,