Intervenção de Jorge Sarabando na Sessão Extraordinária da Assembleia Municipal sobre a Revisão do PDM
1. A primeira reflexão sobre o tema, e que esteve na base do pedido de sessão extraordinária feito pela CDU, prende-se com o atraso de todo o processo e a fraca ou residual participação popular na elaboração deste importante instrumento de planeamento.
Recorda-se que o Plano Director Municipal (PDM) em vigor foi aprovado em 1993 - já lá vão 15 anos - sem o voto favorável da CDU, e ratificado, em 94, pelo Conselho de Ministros, embora com exclusões.
Apesar de declarada a Revisão como “prioridade absoluta” no início de 1998, só em 2001 (no final do mandato) a Câmara deliberou dar início ao respectivo processo.
Depois de uma mera sessão informal, em 2003, na empresa municipal Gaiurb, o Presidente da Câmara apresentou publicamente o planeamento da revisão, em 5 de Novembro de 2004, anunciando que deveria estar pronta "até Julho de 2005".
Terminado mais um mandato, o processo continuaria a desenvolver-se no silêncio dos gabinetes. E só em 2007, em Julho, viria a ser apresentada e votada em Câmara uma proposta provisória, para ser enviada à Comissão Mista de Coordenação.
Há, portanto, um notório atraso, pois a lei determina que os PDMs sejam revistos decorrido que seja o prazo de 10 anos.
Outro aspecto bem evidente é a larga ignorância que reina sobre o processo em curso. Poucos munícipes há que conheçam em rigor as incidências das alterações propostas na sua freguesia.
Pelo caminho ficam decisões um tanto espúrias, como a tentativa falhada de revisão da carta da REN, em Março de 2004.
O que é certo é que este debate extraordinário se justifica plenamente, mas a maioria PSD/CDS sempre procurou evitá-lo. Desde Dezembro de 2002, a CDU vem propondo uma sessão extraordinária da Assembleia. Só agora foi possível efectuar-se, por força do que a lei determina.
• Porquê o atraso da revisão?
• Porquê a fuga ao debate público?
2. Há zonas obscuras e manchas de indefinição que pesam sobre todo este processo.
• Logo após a não-ratificação de alguns aspectos do Regulamento do PDM, a CDU propôs que se fizesse um estudo sobre as implicações desse facto no documento. Nunca foi feito.
• Em 12 de Dezembro de 1994 a CMG aprovou por unanimidade uma proposta do PSD que previa que fosse feita uma informação acerca das implicações da não ratificação de normas do Regulamento do PDM. Nunca foi feita.
• Em 10 de Março de 1997 a Câmara aprovou por unanimidade uma proposta da CDU para iniciar um estudo de revisão do PDM face ao Plano de Ordenamento da Orla Costeira (POOC) e às insuficiências do PDM devido à não ratificação total. Nunca foi feito.
• Existem referências, nomeadamente em acções inspectivas, de que o PDM foi desrespeitado repetidamente e que foi feita “letra morta” da resolução de ratificação governamental que excluíra algumas normas.
Entretanto, o PDM ainda em vigor tem sofrido suspensões (ou tentativas disso) pontuais.
• Em 1997, para edificação do aterro em Sermonde
• Em 2000, tentativa de alteração pontual na orla costeira
• Em 2001, para questões ligadas ao Centro de Estágio Olival/Crestuma
• Em 2002, para a zona da Telheira
• Em 2003, tentativa de alteração da REN na zona do Centro de Estágio, alegando “meros ajustes técnicos”; depois de intervenção da CDU, a questão é adiada por “uma semana”, mas nunca regressará
• Em 2004, de novo para a zona do Centro de Estágio
• Em 2004, pedida suspensão na zona Polis
• Em 2005, de novo para a zona POLIS; é expressamente invocada urgência para que o último Conselho de Ministros antes das eleições ratificasse a suspensão - o que não veio a acontecer, felizmente, caso contrário o plano da ESAF (Espírito Santo Activos Financeiros, do grupo BES), para a Quinta Marques Gomes teria avançado à vontade
• Em 2005, alteração da zona da Reserva Ecológica Nacional (REN) em Lever, pela via da declaração de utilidade pública (por causa da ETAR de Lever)
• Em 2006, para possibilitar a edificação do “Media Parque” no Monte da Virgem e de um Hotel no Centro Histórico
Todos estes factos evidenciam a urgência da revisão do PDM.
O exemplo da Quinta Marques Gomes é paradigmático de uma forma de gerir a Câmara por parte da actual maioria.
Quando a CDU, defendendo a mancha verde ali existente, criticou a capacidade de edificação concedida no projecto imobiliário em curso, a Câmara reagiu de pronto e mal: o projecto era óptimo, só não via quem não queria ver. Mas quando, por força da decisão da CCDRN, a referida capacidade foi drasticamente reduzida, a Câmara, pela voz do Presidente, com a mesma cara com que antes fustigara os incréus, congratulou-se agora com as medidas tomadas, com aquele toque sibilino de quem sugere que fora sempre esse o seu pensamento...
O que nos conduz a uma questão:
• Será que este longo período de indefinição existe porque é o que mais convém à maioria para atrair certo tipo de investimentos imobiliários?
À Câmara compete esclarecer.
3. Entretanto, uma primeira observação dos documentos recebidos, que exige recorte e análise detalhada, aponta para uma diminuição, em alguns pontos, da área da Reserva Ecológica Nacional (REN).
A confirmar-se, como explica a Câmara tal opção, se não pelo propósito de afeiçoar os seus limites a previsíveis interesses imobiliários?
Repare-se que há 6,3 m2 de zona verde por habitante, enquanto que o valor global desejável é de 40 m2 por habitante. Enquanto a expansão urbana não cessa de aumentar, não se encontram inscritos espaços de descompressão nas áreas de maior intensidade edificativa, nem se encontra uma rede pública com continuidade espacial, de espaços verdes articulados com redes pedonais.
Chegados a este ponto, importa afirmar que não é o trabalho da equipa técnica que merece reparos à CDU. As dúvidas, as preocupações, as críticas neste processo de revisão do PDM prendem-se exclusivamente com as opções políticas da actual maioria.
Comecemos por nos ater a algumas das "linhas de intervenção" definidas no dossier, pomposamente intitulado "Gaia 2020 - território nota máxima", inicialmente entregue como único material informativo e que serviu de base ao Presidente da Câmara para mais uma das suas operações de propaganda, marcada precisamente para o dia 6, véspera do dia em que inicialmente se previa iniciar a presente sessão da Assembleia Municipal.
Trata-se de propaganda, de facto, e não de informação, de novo com a provinciana obsessão de querer marcar a “liderança” na área metropolitana, mas agora lá mais para o ano 2020; de se classificar a si próprio com a nota máxima, à boa maneira do conhecido pregador dominical; e de estabelecer uma inédita meta demográfica de 350 mil habitantes - talvez a pensar nos milhares de fogos desocupados e na selva de cimento em que está transformada a área urbana de Gaia.
Deixemos de parte a retórica habitual neste tipo de apresentações, escrita em “europês” corrente.
Há linhas de intervenção que se inscrevem na doutrina e orientações para os PDMs de 2ª geração que, naturalmente, subscrevemos.
Mas no enunciado há determinantes que merecem anotação.
• Como se pretende priorizar simultaneamente o estacionamento e o transporte público, e ao mesmo tempo não se valoriza a criação de vários interfaces intermodais com as redes de transportes, os percursos pedonais, os corredores para bicicletas, bem como os chamados ligantes?
• Como se pretende densificar - ainda mais - o espaço de uso urbano e simultaneamente qualificar as áreas de verde urbano?
Registe-se, entretanto, a diferença: para a orla marítima, para onde se preconiza um "edificado de baixa densidade", pretende-se "garantir a presença de verde nas intervenções de natureza urbanística", e "exigir qualidade nas soluções arquitectónicas". Para o resto do Concelho, conjuga-se de preferência o verbo densificar, densificar. Não é restaurar, reabilitar. É edificar, mais e mais.
Não há aqui, por via administrativa, a imposição de um Concelho a duas velocidades, socialmente falando - o litoral para as camadas altas e afins, e o interior para a população em geral?
4. Preconiza-se a criação de Quintas em espaço rural e urbano, indo ao encontro de uma matriz identitária. Este modelo de "quinta" carece de melhor explicitação por parte da maioria. Deve, no entanto, ter-se em conta que, sejam públicas ou privadas, passa a haver um limite de 20% de área bruta de construção.
Em alguns discursos da actual gestão, aparece associado à atracção de um turismo com alto poder de compra, ocupante de hotéis de charme e frequentador de campos de golfe, que se procura multiplicar no concelho. De passagem, sublinhe-se que os campos de golfe são um sorvedouro de água e energia. Sublinhe-se, porque se trata de uma receita requentada, há muitos anos adoptada por um sem número de países, designadamente do chamado 3º mundo, e, em Portugal, chega atrasada, se olharmos ao que aí vai, desde os campos do Alentejo à sequiosa ilha do Porto Santo.
Há uma concepção de desenvolvimento concelhio subjacente ao discurso recorrente da actual maioria que merece reservas.
Que haja parques empresariais e pólos tecnológicos é uma base de partida possível. Mas depois há que povoá-los com empresas, desejavelmente ligadas ao sector produtivo, geradoras de emprego com qualidade e direitos.
Mas o que vemos é o encerramento crescente de empresas do sector produtivo, e milhares de desempregados.
O que vemos é a multiplicação das grandes superfícies comerciais, que estão a fazer de Gaia um imenso supermercado onde pouco se produz e tudo se vende, enquanto definha o comércio tradicional.
Foi, entretanto, constituída a AMIGAIA, com alegada actividade nas praças financeiras de Londres e Nova Iorque, em feiras internacionais, e apregoa-se Gaia como uma “marca”. Compreenda-se que "marcas e produtos" aplicado a uma autarquia são palavras de cunho neo-liberal, correspondentes a um tipo de concorrência mercantil, em que normalmente há muita parra e pouca uva.
De facto, os resultados são escassos face à dimensão dos objectivos enunciados.
5. Viremo-nos para a realidade: o Concelho de Gaia tem cerca de 20 mil desempregados.
O desemprego industrial não é compensado com o crescimento do sector terciário. A construção representa tanto quanto os restantes sectores industriais. Multiplicam-se as grandes superfícies, mas perdem-se os empregos do comércio tradicional. Aumenta a pobreza e a exclusão social.
A rede de Jardins de Infância apresenta uma taxa de cobertura de 64,3%.
A taxa de cobertura de creches é de 10,3%. De ATL's, é de 24,2%.
No 1º ciclo, continua a haver muitas escolas a funcionar em regime duplo - 571 turmas para 484 salas - e muitas em péssimas condições.
A taxa de cobertura de equipamentos para a 3ª idade é de 24,2%, havendo freguesias que não dispõem de qualquer equipamento.
Várias escolas, sobretudo secundárias, estão sobrelotadas há longos anos.
São conhecidas as insuficiências da rede de cuidados primários de saúde e do Centro Hospitalar.
Todos estes indicadores ficam muito aquém dos objectivos definidos no Plano de Desenvolvimento Social para 2007.
Ora, não se encontra na proposta de revisão soluções para muitas destas carências.
Por outro lado, ao longo de todo este tempo vão e vêm anúncios de projectos que depois se esfumam na brisa, ou encalham na areia e ali ficam.
É o caso de múltiplos campos de golfe municipais; da Ponte Pedonal (para a qual, aliás, até se pagou um anteprojecto e uma maquete); das escadas rolantes entre a Ribeira e o Jardim do Morro; o teleférico entre Gaia e o Porto; as “torres gémeas” na escarpa da Serra do Pilar; a candidatura a Património da Humanidade do Centro Histórico; o túnel rodoviário sob o Douro; a utilização do túnel/armazém da Real Companhia Velha para uma linha da STCP; o restaurante panorâmico na Serra do Pilar; e tantos outros, de tal forma publicitados que já eram tidos por verdadeiros, mas que são hoje convenientemente esquecidos.
6. A proposta de revisão do PDM levanta perguntas que aqui colocamos e precisam de respostas claras. Levanta preocupações quanto à preservação das áreas REN e RAN, outras zonas verdes e à expansão desenfreada da área e dos índices de edificação, já hoje muito elevados.
Aposta num modelo de desenvolvimento que não responde às grandes carências sociais.
Não tem havido empenho na participação da população, que não se reduz aos invocados “agentes sociais e políticos”.
O período que é apontado para a discussão pública - Julho e Agosto - é de todo reduzido e inconveniente. Por tudo isto, há um grande debate público a fazer, e uma inflexão nas estratégias de desenvolvimento a realizar, a bem de Gaia e dos Gaienses.
14 de Maio de 2008
Jorge Sarabando
Deputado Municipal da CDU
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