12 de novembro de 2007

Um imenso "flop" - Texto de JS

A agenda mediática, determinada por um reduzido círculo de editores de informação, quis transformar o debate do Orçamento de Estado, que é um assunto sério, num espectáculo, em forma de "reality show", entre dois protagonistas, um actual e um ex-Primeiro-ministro, que em fresca data trocaram de papéis.
Provavelmente, muitos portugueses acreditaram - pois foram levados a acreditar -,que teríamos um debate em que o Governo seria confrontado quanto às suas opções políticas, num debate parlamentar à altura dos melhores momentos, com brilhantes farpas de retórica, a despertar aplausos, apartes, protestos ruidosos, troca de mimos e de galhardetes, ou de picardias, entre salamaleques de ocasião. À falta de ideias e soluções que distingam uns de outros, alguma bravata anima sempre a mais monótona das assembleias e o mais sorumbático dos cidadãos.
Mas tratava-se de uma impossibilidade. Como se têm revezado no Governo e na oposição, desde há trinta anos, os dois maiores partidos já nos habituaram a acusarem-se mutuamente, simetricamente, das mesmas malfeitorias. Agora até já têm, ambos, um Primeiro-ministro"fugitivo", que deixou o mandato a meio. Remexer no passado, neste passado, nunca poderia revelar qualquer trunfo vitorioso. Mas a razão principal do insucesso do debate é que PS e PSD, partindo de bases e culturas diferentes, são de uma extraordinária semelhança quando exercem o poder - cumprem zelosamente as determinantes neo-liberais.
Adoptam ritmos, estilos, métodos, por vezes, diferenciados. Mas naquilo que é essencial estão de acordo: o Tratado Europeu, as cedências de soberania, a aceitação das imposições de Bruxelas nos sectores produtivos, incluindo a agricultura e as pescas, as privatizações nas funções sociais do Estado, a liberalização dos despedimentos e dos horários de trabalho, o combate ao défice mediante baixos salários e a desestruturação da Administração Pública, a financeirização da economia, as isenções fiscais que beneficiam os grandes interesses instalados, a solicitude para com Bush e a sua política imperial.
Há ainda desacordos pendentes, como a localização do novo aeroporto, mas com o tempo lá se acomodarão, à luz da "convergência estratégica" em curso.
Deixemos de lado, por agora, o que há de perverso e distractor, nesta pretensão das principais editorias em transformar um debate político num duelo canoro, afinal pífio.
O que importa assinalar é que o grande espectáculo anunciado pelos fabricantes de notícias foi, afinal, um imenso 'flop'.
Jorge Sarabando - deputado municipal da CDU