26 de abril de 2013

25 de Abril 2013: intervenção da CDU na Sessão Solene do Município de V N Gaia

         Comemoramos hoje 39 anos do renascimento da democracia que, pela luta do povo, instituiu, além dos direitos políticos, direitos económicos, sociais e culturais que vieram a ser consagrados na Constituição da República.
           Sim, foi nos dois primeiros anos da Revolução, num dos períodos mais férteis e criativos da nossa história, de expressão de uma vontade colectiva, que, entre choques e contradições, se deu corpo legal a profundas aspirações, durante décadas reprimidas, de liberdade, paz e justiça social.

         Apesar de amputada e em alguns pontos desfigurada, a Constituição, através dos seus princípios e comandos, permanece como a base mais sólida e concreta da democracia e da identidade nacional. Apesar de afrontada, ignorada ou ferida pela política de sucessivos governos a que se convencionou chamar "arco do poder", ela aí está em vigor. Em seu cumprimento, já por duas vezes, o Governo, a contragosto, foi obrigado pelo Tribunal a corrigir algumas normas mais gravosas do Orçamento de Estado. Tal não implicou a interrupção do mau governo, mas limitou os efeitos mais nocivos de algumas decisões.
         É o cumprimento ou o desrespeito da Constituição que caracterizam o processo em curso, que vem de 1977 até ao nossos dias, e oferece a chave de compreensão das raízes e causas da crise actual, uma das mais graves da nossa história multi-secular, que culminou no acordo com a Troika.
         A mensagem dominante, reproduzida e ampliada pela parafernália mediática, é que andámos "a gastar de mais", era preciso "eliminar as gorduras do Estado", a Segurança Social estava em risco, dado o aumento da esperança de vida, a par de sugestões de revisão da Constituição, como se fora um obstáculo do progresso.
         Mas quem andava a gastar de mais? Os trabalhadores portugueses, na sua grande maioria auferindo baixos salários, obrigados a endividar-se para comprar casa para habitar e carro para ir trabalhar? Os reformados, em geral com pensões de miséria? Os pequenos comerciantes e industriais, em grande parte a lutar pela sobrevivência?
         Vai-se conhecendo a verdade e a dimensão do embuste. Dos 78 mil milhões de euros pedidos à Troika, 12 mil milhões foram destinados à recapitalização da Banca, de que já foram entregues ao BCP, BPI e Banif, 5,6 mil milhões.
         Acrescentem-se os muitos milhares de milhões lançados no atoleiro do BPN, em que o Estado nacionalizou o que era lixo tóxico, mas salvaguardou em mãos privadas a empresa em que se integrava o banco, a SLN, que entretanto mudou de nome e vai singrando na vida económica.
         Atente-se no recente escândalo dos contratos "swap", implicando diversas empresas públicas. Invocando prejuízos, foram sendo despedidos,- como se fora um grande feito-, milhares de trabalhadores; foram cortados salários; foram eliminadas carreiras de transportes; foram retirados benefícios em passes; foram aumentados taxas, tarifas e preços nos serviços públicos prestados pelas empresas envolvidas. Alguma coisa estava errada e, nos dois últimos anos, pelo menos o PCP fez diligências na Assembleia da República para apuramento dos factos, que a maioria parlamentar retirou efeito prático. Agora descobre-se que o buraco, na Metro do Porto, ascende a 832 milhões de euros e, na STCP, a 107 milhões. Quem são os beneficiários? Os do costume - os bancos Goldman Sachs, JP Morgan, Parisbas, Deutshe Bank. E os lesados? Os do costume - quem vive do seu trabalho, e o País. Não se trata de riscos potenciais, pois, este ano, terão de ser reembolsados 160 milhões de euros. Entretanto, está por construir a curta, mas utilíssima extensão do Metro a Vila d'Este. Dizem-nos que não há dinheiro. Como se vê, recursos há, estão é a ser dissipados.
         É preciso "eliminar as gorduras do Estado". Sim, é verdade, há exemplos de desperdício e de má gestão, que é preciso evitar e corrigir.
         Mas não estão a referir-se, certamente, às escolas que se debatem com falta de professores e funcionários, onde os pais têm de arranjar meios para o funcionamento corrente, escolas de onde não são retirados os telhados com amianto como foi prometido; não estão a referir-se, certamente, aos Hospitais e Centros de Saúde, onde são encerrados serviços, onde faltam médicos e onde abundam empresas contratadoras de profissionais com formação superior a quem oferecem quantias irrisórias; não estão a referir-se, certamente, aos corpos policiais e de segurança que se debatem com a falta de meios necessários e trabalham em condições, por vezes, deploráveis; nem às instituições culturais que sofreram cortes que vão obrigar muitas ao encerramento, ou a despedimentos; não estão a referir-se, certamente, às Câmaras e às Freguesias, que têm responsabilidades a cumprir e funções insubstituíveis, mas a quem, apenas em 4 anos, sucessivos Governos cortaram mais de 400 milhões de euros.
         "Gorduras" haverá, mas com mais acerto se designaria como camada adiposa aquela multidão de assessores contratados pelo Governo - a preços do mercado, dizem -, com remunerações e alcavalas bem superiores às do Presidente da República; ou as empresas e escritórios de advogados amigos, a quem são pagas centenas de milhões de euros por estudos e pareceres jurídicos, que podiam ser cometidos aos serviços administrativos.
         Da Segurança Social apenas se dirá que é o trabalho precário e desregulado que poderá afectar o normal fluxo de receitas, e que também neste domínio há sinais de gestão ruinosa, pois, a crer nas notícias, das aplicações financeiras colocadas no mercado mobiliário "evaporaram-se" já 257 milhões de euros.
         Esta dança de milhões, hoje muito comum, é um tanto atordoante e poderá, por desatenção, iludir o essencial. E o que importa reter é a natureza profundamente injusta desta política, geradora de desigualdades, que rompe todos os equilíbrios da sociedade - e já tão desequilibrada ela está. Uma política que revira os bolsos dos que menos têm em busca de tostões para, multiplicados por milhões, encherem a bandeja dos que mais têm.
         Por isso, é tempo de um sobressalto cívico que diga não a este rumo e a este desgoverno; que rompa com esta política de sacrifícios para quem trabalha e de favor para os mais poderosos, que serve, protege e encobre o capital financeiro e as suas negociatas, que promove a economia de casino em detrimento da economia real, aquela que produz, inova e cria riqueza. Uma política, afinal, sem moral e sem ética.
         Uma política desconforme com a Constituição, mas conforme com o Pacto da Troika.
         Pacto que excede o que poderia ser o caderno de encargos de uma coligação de prestamistas (ainda que usurários) com uma nação soberana.
         De facto, as determinações impostas e aceites são invasivas, abusivas e contrárias ao interesse nacional; e os objectivos que serve, não estando escritos, estão inscritos na matriz neo-liberal que o orienta: demolir o Estado Social, transformar as funções sociais do Estado em áreas de negócio, privatizar todos os sectores da economia - incluindo os estratégicos e de serviço público -, desregular as relações laborais, embaratecer o custo do trabalho, reduzir o Estado a um aparelho coercivo.
         Ora, isto é contrário à democracia que defendemos. Não basta, por isso, renegociar as condições do empréstimo; é preciso romper com o Pacto da Troika e com o que ele significa.
         Estamos certos de que mais e mais portugueses estarão a nosso lado neste desígnio.


         Umas palavras finais, relativas ao ciclo autárquico que termina com este mandato.
         Reconhecemos os progressos registados nestes 12 anos, aliás comuns à grande maioria das três centenas de Municípios, como prova de sucesso desta grande obra colectiva que é o Poder Local Democrático.
         No que à actual maioria respeita, distinguem-nos e opõem-nos os critérios, as prioridades, as opções de gestão, a sensibilidade social, a cultura democrática, o modelo de desenvolvimento.
         É tempo de virar a página. Aproximam-se tempos mais difíceis, com severas restrições orçamentais, e o que se conhece do novo QREN poderá significar mais uma oportunidade perdida.
         Por nossa parte, defendemos uma gestão de proximidade (mais necessária ainda com a extinção de freguesias e o encerramento de serviços públicos); de solidariedade (redirecionando mais recursos para a acção social); de rigor (sem despesismos e clientelismos); de exigência (reclamando os investimentos públicos que tardam); de desenvolvimento (atraindo investimentos privados com mais valor acrescentado e privilegiando o sector produtivo); de democracia (com respeito pelas diferenças e maior participação cívica).
         Não são precisos homens providenciais e ideias milagrosas. Precisamos é de mulheres e homens de bom senso, responsáveis, identificados com o povo a que pertencem.

         Por este caminho vamos.
         Pelos valores de Abril
         A bem de Portugal    

Jorge Sarabando
Membro da Assembleia Municipal de Vila Nova de Gaia pela CDU